# 62 - Onde estão as pessoas interessantes?


Esse foi um assunto que ficou grudado na minha cabeça essa semana. Onde é que foram parar as pessoas interessantes, com coisas legais pra falar, que conseguem manter uma conversa agradável por mais de 5 minutos?

Meus dias de semana se passam quase que totalmente no trabalho e na faculdade. Nos finais de semana mais do que merecidos, eu saio com amigos, vou a churrascos, shows, cinema, festas e afins. Nos últimos meses percebi uma certa dificuldade em conhecer pessoas interessantes em qualquer um desses cenários.

Antes de mais nada, quero explicitar o meu conceito de interessante: eu não espero discutir filosofia grega e nem física quântica com alguém em um churrasco de faculdade, o que eu entendo por interessante é o sentido real da palavra, alguém "que interesse".

O que eu tenho percebido ultimamente nas conversas que tenho (ou tento ter) e que ouço é que as pessoas estão com uma dificuldade imensa em conversar verdadeiramente, em compartilhar coisas sobre si mesmos e, mais ainda, se interessar pelo o que o outro tem a dizer. O que eu observo muitas das vezes, são duas pessoas monologando, sem interagir realmente com o outro, sem vivenciar o que deveria ser uma relação social de fato. Estamos tão fechados em nós mesmos que não somos capazes de sair desse limite para alcançar aqueles a nossa volta.

O filósofo Martin Buber disse que o homem pode estabelecer dois tipos de interação com o mundo. O primeiro, ele denominou "Relação Eu-Tu", onde nós nos relacionamos com a pessoa do outro, de forma mais profunda, de maneira que nos reconhecemos no outro e vice-versa. O segundo, ele denominou "Relação Eu-Isso", onde nos relacionamos com o outro como objeto. A relação Eu-Tu é uma interação que demanda muito esforço das partes envolvidas, pois entramos em contato profundo com o outro e, por consequência, com nós mesmo. Por causar essa espécie de desgaste à psique humana, não conseguimos manter esse tipo de relação com todos a nossa volta, e nem por todo o tempo. É por isso que mantemos uma relação Eu-Isso na maior parte de nossa vida social, para que possamos viver socialmente de maneira eficaz. Por exemplo, quando uma pessoa está conversando com seu marido sobre seus planos e aspirações e ela reconhece nesse marido um outro como sujeito e se reconhece nesse outro, estabeleceu-se uma relação Eu-Tu. Mas quando eu pego um ônibus e interajo com o motorista e com o cobrador, eu não estou interagindo com essas pessoas de maneira profunda, eu me relaciono com o "objeto motorista" e com o "objeto cobrador". Eu não conseguiria me relacionar de maneira profunda com todas as pessoas com quem interajo no meu dia-a-dia, por isso estabelecemos relações Eu-Isso com a maior parte das pessoas.

Mas o que eu tenho visto, são pessoas que são capazes apenas de estabelecer relações Eu-Isso. Não se vê mais o outro como pessoa, como um ser humano que pensa e sente, se vê sempre o outro como o papel que ele representa em nossa existência. Não há mais a relação entre, por exemplo, um pai e um filho onde o pai, "Fulano da Silva", reconheça o filho, "Ciclano da Silva", como sujeito e vice-versa. Ao invés disso, "Fulano da Silva" mantém uma relação com o "objeto filho", que deve obedecer suas ordens e fazer seus deveres, enquanto "Ciclano da Silva" mantém uma relação com o "objeto pai", que deve comprar seus brinquedos e levá-lo a escola. A humanidade está, ao poucos, ficando incapaz de reconhecer a subjetividade do outro, e assim, de reconhecer sua própria subjetividade, sua própria essência.

E mesmo quando a interação é verdadeira, os assuntos são rasos. As pessoas debatem exaustivamente assuntos como o próximo capítulo da novela, o último escândalo do mundo das celebridades, mas não estão dispostas a conversar sobre assuntos que interferem diretamente em suas vidas. Isso vai desde política e educação à assuntos de interesse pessoal, como seus gostos, seus planos, seu lado ser humano na condição de ser que pensa, reflete, questiona.

Recebemos enxurradas de desinformação o tempo todo, e assim vamos nos distanciando de questões genuinamente importantes. Deixamos de questionar aquilo que passa por nossos olhos e ouvidos, passamos a categoria de seres passivos, que não atuam em cima daquilo que recebem Há milhares de pessoas que não vivem verdadeiramente, que apenas existem. Passam por esse mundo sem ao menos questionar o que influencia o curso de suas vidas. Aceitam qualquer verdade como verdade, possuem um olhar ingênuo em relação aos estímulos que tomam conta de nossa atenção e nos distraem de questões importantes.

Resultado: temos uma massa de indivíduos vazios, que geram relações vazias, incapazes de estabelecer um contato mais profundo com outra pessoa, sem empatia, sem nem ao menos conseguir enxergar o lugar do outro. Temos pessoas incapazes de falar sobre si mesmas e manter uma conversa agradável, de se interessar pelo o que o outro traz pra relação. Pessoas que vivem suas vidas de forma passiva, introjetando todo o mundo a sua volta. Indivíduos ocos, sem graça. Gente nem um pouco interessante...

"E com toda a seriedade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o ISSO, mas aquele que vive somente com o ISSO não é homem."

Martin Buber 



Bjus =*
Juliana

3 comentários:

  1. Quando eu trabalhei no Boticário uma das coisas que eles maid frisavam era escutar o cliente, prestar atenção nas necessidades de cada um e isto serviu pra minha vida, não é a toa que temos dois ouvidos e uma boca, que é pra escutar mais e falar menos mas as pessoas se comportam como se tivessem duas bocas e nenhum ouvido, é só enfeite pra brinco, piercing e alargador, acho que é por isso que tem cada vez mais adornos para orelha, pra arrumar outra função que não ouvir rsrsr

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  2. Muito bem escrito este post! Sinto falta de conversar principalmente sobre assuntos cotidianos (leia-se conhecimentos gerais)e está cada vez mais difícil encontrar pessoas que sabem o que anda acontecendo no mundo ultimamente, pelo menos o básico...Percebo pelas redes sociais, qdo falamos sobre qualquer assunto idiota/bobo/irrelevante recebemos muitos comentários e respostas, etc...Se for sobre a educação no Brasil por exemplo, um ou outro, quase ninguém se interessa. Nos mobilizamos por assuntos fúteis, infelizmente, daí a falta de assunto e valor nos assuntos nas rodas sociais, o que torna as pessoas pouco interessantes realmente.

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  3. Blog interessante o seu, você realmente sabe escrever. Gostei. Então, se gosta ler e de romance, visite o POET e leia o mais novo blog-book “Illegitimate”. Ele é escrito e publicado simultaneamente, então pode comentar e criticar a vontade...rs. Confira. http://pagesoferasedtext.blogspot.com/

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